Basta conhecer um pouco o ecossistema de startups para começar a entender a máxima de que uma boa ideia não se sustenta sem a execução destemida de um empreendedor competente. Ainda assim, é importante reconhecer que, em um ambiente de inovação, a concepção da ideia, seja ela fruto de uma epifania ou da identificação de uma necessidade de mercado ainda não explorada, é o marco inicial da startup.
Os passos seguintes não são poucos e o empreendedor, invariavelmente, precisará do auxílio de terceiros para que a “ideia” se torne uma empresa de fato e, posteriormente, possa se consolidar no mercado. As relações firmadas entre a startup e esses parceiros, frequentemente, implicam na divulgação de informações estratégicas e sensíveis ao negócio.
Para se proteger do risco de ter suas ideias apropriadas de forma indevida por potenciais concorrentes, ou então dados empresariais sigilosos revelados contra a sua vontade, o empreendedor dispõe de alguns artifícios. Dentre eles, há o Acordo de Confidencialidade (também conhecido pelo termo em inglês Non-disclosure Agreement, muitas vezes referido como NDA).
As cláusulas constantes neste instrumento devem ter linguagem clara e especificar a extensão da sua aplicação quanto à definição das informações consideradas sigilosas, prazos, obrigações recíprocas e eventuais consequências do seu descumprimento.
Listei os principais cuidados a serem considerados na elaboração de um Acordo de Confidencialidade, dividindo a elaboração deste documento em quatro momentos.
Delimitação do Objeto
Primeiramente, deve-se descrever de forma minuciosa quais matérias serão objeto do contrato e qual a extensão do sigilo. Alguns instrumentos visam apenas a proteção das informações sigilosas compartilhadas, outros estabelecem que a confidencialidade se estenderá à própria existência do acordo.
Tenha o cuidado de esclarecer se o Acordo de Confidencialidade será unilateral, hipótese que resguardará apenas os segredos de negócio de uma das partes, ou bilateral, que protegerá os dados compartilhados por ambos.
Defina, também, por quais meios e mídias as informações protegidas serão divulgadas/transmitidas (e.g., correio eletrônico, ligações, pen drive, documentos físicos).
Delimitação das Obrigações
Neste momento, as partes deverão pactuar qual a motivação para que dados sigilosos sejam expostos a um terceiro (e.g. análise de viabilidade de investimento, desenvolvimento de um serviço) e de que forma a informação poderá ser utilizada.
Em contraponto, algumas cláusulas devem prever a obrigação de abstenção de uso, de divulgação, de restituição e destruição das informações sigilosas.
Essas obrigações terão um prazo de vigência (para que as tratativas evoluam) e de superveniência (que determinará por quanto tempo as partes estarão vinculadas ao Acordo após o vencimento do prazo de vigência determinado).
Nem sempre é possível concluir o negócio
O Acordo de Confidencialidade comumente faz parte das tratativas iniciais de uma negociação, sendo parte de uma fase pré-contratual. Isso implica na criação de uma expectativa de direito e, consequentemente, na responsabilização em caso de desistência imotivada. Duas estratégias podem evitar essa situação:
- condicionar a conclusão do negócio definitivo a alguns requisitos pré-determinados;
- prever expressamente o direito de não conclusão do negócio.
É importante lembrar que qualquer negociação depreende alguns gastos para a sua celebração. No caso de não concretização do negócio, especialmente nos casos de desistência imotivada, é importante prever o de ressarcimento das despesas da parte prejudicada.
Como me proteger em caso de descumprimento do Acordo de Confidencialidade?
Para garantir a efetividade, é fundamental que haja a previsão de mecanismos capazes de desestimular o descumprimento dessas obrigações contratuais. Cláusulas prevendo multa compensatória, indenização pecuniária por perdas e danos e ressarcimento de lucros cessantes [1] cumprem esse papel.
Há a possibilidade, em casos mais extremos, de que o descumprimento do Acordo de Confidencialidade possa ser tipificado como crime de concorrência desleal nos termos do artigo 195, XI da Lei de Propriedade Industrial. Esse artigo determina que comete crime de concorrência desleal quem “divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato”.
Conclusão
O Acordo de Confidencialidade é um instrumento importante para a proteção do capital intelectual da sua startup, pois resguarda o sigilo de informações sensíveis que eventualmente são expostas a terceiros. É importante que se entenda a finalidade do acordo em questão, observando-se cada caso específico para que a sua elaboração seja precisa e sua aplicação efetiva.
[1] Na hipótese de lucros cessantes é importante esclarecer que essa avaliação é complexa (e controversa) e deverá ser feita pela análise do caso concreto.
Artigo originalmente publicado no blog da legaltech Lexio.